A dificuldade da poesia
Érico Nogueira
De Roma
É, pessoal, não tem jeito: poesia é um troço meio hermético mesmo, meio “difícil”, não há o que fazer. É claro que toda grande arte, quando exercida com competência, tem lá uma boa dose de complexidade, sem dúvida; mas a poesia – e, em especial, a grande poesia – parece que nunca chega a descer muito bem na garganta do público leitor. No fundo ela é como o Campari: doce no início, amarga no final, e restrita a um grupo de excêntricos
É claro que décadas de educação desconstrucionista e de doutrinação politicamente correta acabaram fatalmente por desconstruir alguma coisa, e por mudar um pouco a sensibilidade do leitor comum, em geral arredio à poesia. Mas isso não importa muito: o fato é que, feitas as contas, a impertinência da poesia é prova de que o sonho iluminista, que pretendia transformar o homem em “cidadão”, – ou, traduzindo, a inteireza da pessoa humana em RG, CPF e título de eleitor – era na verdade um terrível pesadelo. Robespierre que o diga.
O que eu quero dizer é que a “dificuldade” da poesia, e a sua baixa audiência em relação às outras artes, mostram que nem tudo o que é humano é passível de homogeneização. Cada um de nós é um bicho “difícil”, que tem lá as suas particularidades, que não dá pra simplificar: a poesia responde justamente por isso.
Essa minha idéia nem é minha, a bem da verdade. É do poeta inglês Geoffrey Hill (n. 1932), eleito recentemente para a cátedra de poesia da Universidade de Oxford, e normalmente considerado como o maior poeta vivo da sua língua. Eis o que ele diz numa entrevista arrasadora concedida à Paris Review em 2000.
“Os seres humanos são difíceis. Somos difíceis para nós mesmos, somos difíceis uns para os outros, e também somos um mistério para nós mesmos, um mistério uns para os outros. Encontramos muito mais dificuldade – e dificuldade real – em qualquer dia comum do que na mais “intelectual” das obras de arte. Por que a poesia, a prosa, a pintura têm de ser menos do que nós somos? Por que a música, por que a poesia tem de nos falar em termos simplificados, quando, se nos tratassem assim, simplificadamente, ficaríamos todos muito ofendidos?”
Falou e disse.
Érico Nogueira é poeta e tradutor. Ganhou o “Prêmio Governo de MG de Literatura” de 2008 com O livro de Scardanelli. Escreve também no Ars Poetica, blogue de poesia. Atualmente vive em Roma, onde desenvolve pesquisa na área de língua e literatura grega.